Boas.
Utilizar duas ou mais câmeras numa reportagem produz um producto final muito superior á utilização de uma só. Prova disso são as transmissôes televisivas da volta a Portugal em bicicleta, por exemplo. Como seria monotomo a mesma só com uma câmera, para não falar no facto de que não seria possivel cobrir todo o percurso, ao mesmo tempo. Num concerto, e apesar da acção se desenrolar durante todo o tempo no mesmo local, a multi-câmera tambêm proporciona um resultado final muito superior. Num concerto do Phil Collins, que se realizou ao vivo e que foi gravado á anos atrás, foram utilizadas nada + nada - que 23 câmeras. O resultado é simplesmente genial. Mas num casamento, justifica-se a utilização de duas ou + câmeras? Numa transmissão televisiva, sim, mas... no consumidor final?
Se tiver em mente só o aspecto visual, só o resultado final, eu diria que sim. Mas existem outros factores que é preciso contabilizar: os meios técnicos e humanos necessários, a organização do trabalho em equipa, a compatibilização do equipamento utilizado, o tempo extra na edicção video, etc. Se tivermos tudo isto em consideração, creio que não se justifica. A não ser que o cliente esteja disposto a pagar mais por isso, o que na prática raramente acontece. Então, o que se faz (ou o que se pode fazer) ?
No tempo em que o S-VHS e o HI8 eram Reis e as mesas de mistura video davam cartas, os op. de câmera dos chamados acontecimentos sociais (a que eu pomposamente gosto de chamar "Reportagens BBC" - Bodas, Batizados e Casamentos - mas que nas aldeias do Norte do Pais são conhecidos por filmadores de casamentos), o método de filmagem era bastante diferente do actual. Nesse tempo, tentava-se filmar o mais certinho possivel, sem grandes "malabarismos", pela sequência lógica dos acontecimentos. Os dissolves entre duas imagens erão feitas normalmente recorrendo a um freeze numa delas e as passagens de um local para o outro (tipo de casa da noiva para a igreja) era feito filmando da casa da noiva para o Céu e depois do Céu para a fachada da igreja. A música (sonorização), essa era feita depois da edicção video estar feita. E por eu escrever "o mais certinho possivel" não quer dizer obrigatóriamente que tinham uma imagem muito estável. Alguns filmavam em cima de uma barca, tal era a instabilidade das imagens.
Mudam-se os tempos, mudam-se os métodos. Mas por vezes nem tanto assim. O video Digital e a edicção não linear colocou nas mãos dos utilizadores um controle e uma precisão nunca antes atingida. A precisão frame-a-frame era algo banal no tempo da edição linear (lê-a-se "no tempo dos videos e mesas de mistura"), mas só no equipamento topo de gama. Só mesmo as grandes productoras tinham possibilidades monetárias para tais equipamentos. Mas é curioso notar que ainda muita gente continua a não tirar partido das capacidades dos equipamentos actuais. Ainda se continua a filmar e a editar da mesma forma que á 15 anos atrás (não todos, é um facto).
No tempo da edição linear, era fácil encontrar quem se gabáva de conseguir editar quatro, cinco e até mesmo seis trabalhos num só dia. Alguns sei que era só basófia, mas outros, após se verificar a qualidade dos trabalhos (ou falta dela) tal afirmação era credivel. Uma entrada no inicio, mais ou menos bonita, e depois era só uma cópia do master. Missa até dizer chega, baile até dizer não quero mais. E tinhamos duas ou três horas de um trabalho em que só se aproveitáva 5 minutos.
Mas antes, uma clarificação: a minha noção do que deve ser uma reportagem video é um pouco diferente daquilo que observo muitas vezes. A reportagem de um casamento deve ser vista como se de um filme se tratá-se. Algo que vimos do principio ao fim sem recorrer ao FastFoward do comando. Ninguém vê um filme a 2x a velocidade normal (a não ser que seja apenas para rever alguma parte especifica do mesmo). Assim, não faz qualquer sentido o cliente (os noivos) recorrerem ao comando "para andar para a frente", porque têm meia hora ou 3/4 de hora só de missa, mais outro tanto de baile. Não á paciência que aguente tal. E se durante o tempo todo da cerimónia (missa) a única imagem que se vê é apenas a dos noivos e pouco mais (como muitos fazem), então ainda pior.
Por outro lado, uma reportagem não é propriamente um videoclip da MTV. Assim sendo, não encontro justificação para fazer uma montagem nesse estilo. Alguma liberdade criativa é desejáda e bem vinda, mas uma coisa é o "alguma" e outra é o "toda". Uma reportagem toda ela constituida por backgrounds, composiçôes video e os chamados "efeitos" tira toda a noção do objectivo em si: a de documentar um acontecimento especifico.
Mas não se entenda isto como sendo um apologista do "documental", do rigor histórico. Uma reportagem pode documentar mas também entreter. Trabalhar estas duas vertentes faz com que se consiga um bom trabalho. A parte conhecida por "passeio dos noivos" será talvez onde se pode ter mais liberdade criativa. Mas não ao ponto da criatividade "abafar" os actores principais. Sou apologista de que um trabalho deve seguir um estilo do principio ao fim, seja o estilo que fôr. Ter as filmagens em casa dos noivos editádo de uma forma, e a parte da igreja e o resto das filmagens numa outra forma, faz com que, para mim, essa seja uma má edição.
Ainda á quem filme com a ideia em mente de que "na montagem dá-se um jeito". Errádo. O segredo para uma boa edição é ter uma boa filmagem. Quando feita em condiçôes, edita-se a ela própria. Sem imagens, ou más imagens, não é possivel fazer um bom trabalho. Como costumo dizer, "Impossiveis ainda se faz, milagres não!"
Com o digital, começei a ouvir afirmaçôes do género "só neste bocadinho tenho 150 clips diferentes". Funciona, na mente deles, como uma elevação de "status", como um "sou muito bom". Querem imprimir um certo ritmo, uma certa dinâmica, a um trabalho que na verdade ainda continua a ser filmado como o "arrasta fita" do passado. Ainda continuam a apresentar um trabalho "para dormir". Um videoclip no inicio, por vezes muito bonito, mas o resto do filme é a cópia do costume. Tempos de tomada de vista enormes, panorámicas exageradamente lentas, zooms sem nexo e em quantidade acima do que seria desejado. Hora e meia, quando não é mais, de verdadeiro "rebobina para a frente que esta parte não interessa". Ainda não se mentalizaram que uma reportagem não é só o inicio, não é só um bocádo. È todo o tempo da reportagem. E todo o filme tem de ter a mesma dinâmica, o mesmo ritmo, mesmo nas partes mais "mortas", e principalmente nestas (como na igreja, por exemplo, salvaguardando as necessárias diferenças do momento). Mas para isso é preciso saber como filmar, saber o que filmar, e depois saber como editar.
Trabalhar com planos de vista diferentes, atenção ao som ambiente, a eliminação do superfluo e a escolha das musicas certas permite "imprimir" a dinâmica a toda a reportagem, não a uma só parte da mesma. Tendo-se estas coisas em mente, consegue-se fazer um trabalho muito semelhante ão que se obteria se se filmá-se com duas câmeras. Não será seguramente a mesma coisa, mas pode ser muito parecido.
A linguagem cinematográfica tem aquilo a que se chama de "climax". O ponto alto de um filme, depois de uma sequência "morta". O tempo que medeia entre cada "climax" é diferente no cinema e na TV. No cinema é cerca de 23 minutos, na TV é cerca de três minutos. No cinema, as pessoas deixam-se ficar sentádas á espera que o filme se "desenvolva". Na TV, as pessoas mudam logo de canal. Por isso os tempos são diferentes.
Numa reportagem BBC, entendo que se deve tentar manter o "climax" do principio ao fim da mesma. Deve-se tentar criar algo que faça com que o expectador fique com desejo de ver mais, mas no entanto sem ter ficádo com a sensação de que viu pouco. O expectador deve chegar ao fim e desejar voltar a ver a reportagem, sem no entanto o fazer. Quanto mais perto estivermos de conseguir isto, melhor é o producto final.
Alguns trabalhos não correspondem á reportagem do serviço cujos op. foram contratados para fazer. O trabalho entregue mais parece uma demo dos efeitos que o NLE permite fazer. O resultado acaba por ser algo aborrecido, cansativo. O expectador chega ao fim da mesma e lembra-se dos "efeitos especiais" mas não da reportagem, porque ela simplesmente não existiu. Não houve história. Passou a ser mais um video visto, sem importancia. Para contrariar isto, a filmagem tem de contar uma história. O "efeito especial" tem de estar na edição, mas no entanto sem ser perceptivel. E quanto ao tempo, não mais que 45-60 minutos. Mas também não muito menos.
E então chegámos á multi-câmera. Se evitarmos os zooms e escolhermos bem o que filmá-mos, podemos simular a multi-câmera, criando assim uma reportagem dinâmica. Exige também muito mais trabalho na edição, mas o resultado final não tem comparação.
Quando ouço os outros comentarem "só neste bocadinho tenho 150 clips diferentes", riu-me para mim mesmo. Nunca senti curiosidade em saber quantos "clips" têm os meus trabalhos, mas após ler um outro tópico á tempos atrás (e que é a razão de eu estar a escrever este), decidi-me a contá-los. Sabia que seria muitos, só não sabia quantos. A contagem passou dos 150 clips. E dos 300 também. Os 500 ficaram mesmo ao perto. Mas não parou... 600, 700, 800. O contador parou nos 981 clips. Atenção que são clips, não são frames!
Mas se tiver em atenção que num outro trabalho, com aproximadamento o mesmo tempo, tinha 813 clips, diria que a média é de cerca de 850 clips por montagem. E sem perder de vista a continuidade dos planos, o racor, a sequência lógica dos acontecimentos e todas essas "tretas" que aprendemos e que por vezes gostariamos de esquecer, tal é o trabalho que dá.
Eu gosto de video, e gosto de "expremer" os momentos. Gosto de retirar sumo de uma imagem ao ponto de ela falar por si só. È por isso que o "arrasta fita" não se encaixa na minha ideia do que deve ser uma reportagem. Pena é que muitos não queiram pagar o néctar que muitos como eu têm para "oferecer". Boas.